quarta-feira, 2 de março de 2016

O DANO MORAL NO TRANSPORTE TERRESTRE


Há tempos que venho tendo diversos ações batendo na mesma tecla. Todo prestador de serviços deve estar atento na qualidade do serviço prestado ou nos patamares mínimos que configuram a prestação de serviço.

Na sentença abaixo, há evidente dano injustificado da operadora de um serviço concessionado público que exige respeito ao consumidor. No caso em tela, os clientes foram submetidos a uma verdeira chuva dentro do transporte, ônibus intermunicipal, que os levou além do constrangimento a um atraso na chegada por culpa da operadora.

Em fase recursal.


"PROCESSO Nº : 13411-69.2014.8.10.0001 (146142014) CLASSE : AÇÃO ORDINÁRIA AUTOR : CLAUDIO ROGÉRIO SILVA MOURA e THIAGO BRASIL PEREIRA RÉU : TRANSBRASILIANA - ENCOMENDAS E CARGAS LTDA. SENTENÇA CLAUDIO ROGÉRIO SILVA MOURA e THIAGO BRASIL PEREIRA moveram ação em face da TRANSBRASILIANA - ENCOMENDAS E CARGAS LTDA com pedido de indenização por danos morais e materiais, sob o argumento de que firmaram contrato de transporte intermunicipal com a empresa ré no dia 1 de janeiro de 2011 para viagem a ser realizada no dia 13.02.2013, com origem em Barro Duro, município de Tutóia, e destino São Luís. Os autores aduzem a existência de falha na prestação do serviço, uma vez que o ônibus teria apresentado total falta de higiene e segurança. Narram que o ar condicionado do veículo apresentou problemas os quais acarretaram o seu alagamento e a infiltração da água nas bagagens e pertences dos passageiros. Dizem ainda que, pelos problemas apresentados, foram obrigados a caminharem por grande parte do trajeto e ainda fazer baldeação para ônibus em pior estado. Em despacho de fl. 28, foi deferido o pedido de gratuidade de justiça, submetido o feito ao rito sumário e determinada a citação da parte ré e intimação das partes para que comparecessem à audiência de conciliação designada para o dia 23 de junho de 2014. Superada a fase de conciliação, que restou infrutífera, a parte ré apresentou peça de resposta, por meio da qual sustenta que antes da saída do veículo foram feitas todas as checagens procedimentais de rotina, nas quais não foi constatado qualquer vício ou problema. Afirma que o mal funcionamento do ar condicionado só pôde ser constatado quando o ônibus já estava em trânsito, durante o período da noite. Assim, afirma que por segurança o motorista não poderia parar o veículo para proceder a uma possível substituição já que, nessa estrada, não há pontos de apoio. Com efeito, diz que não houve omissão da empresa ré. Segundo ela, tratar-se-ia de fato imprevisível que escapa da àlea dos transportes. Ainda em audiência, a parte requerida disse não ter mais provas a oferecer e a parte autora se manifestou pela oitiva de testemunhas. Foi designado o dia 6 de novembro de 2014 às 8h30min para a realização da audiência de instrução. Na data supracitada, foi aberta a audiência e novamente frustrada a tentativa de conciliação. Foi, então, ouvida a testemunha arrolada pela parte autora. Às fls. 82/83, a parte autora apresentou alegações finais. Os autos foram conclusos para sentença. Decido. A demanda em questão gravita em torno da perquirição acerca do dever da parte requerida em indenizar a parte autora pelos danos que diz ter suportado devido à falha na prestação dos serviços. Assim, há que se analisar se houve a má prestação alegada e se esta teve o condão de gerar danos indenizáveis. Note-se que a demanda em questão é eminentemente consumerista, razão pela qual deve ser solvida à luz das regras e princípios que informam o microssistema de normas protetivas, sem o prejuízo da aplicação, no que couber, do Código Civil e das diretrizes que balizam o contrato de transporte. Com efeito, o artigo 14 insculpido no diploma consumerista estabelece que a responsabilidade do fornecedor de serviços pela reparação dos danos causados ao consumidor é de cunho objetivo, ou seja, independente da existência de culpa. Desse modo, para a sua efetiva configuração é suficiente a existência do fato, do dano e do nexo causal entre ambos. Nesse sentido, observa-se que a companhia de transporte intermunicipal deve ser responsabilizada pela existência de falhas nos serviços prestados, os quais não incluem apenas o transporte seguro dos passageiros, mas a qualidade, o conforto e a garantia de proteção aos seus pertences. No caso em tela, ante a juntada dos bilhetes e a não impugnação específica do réu, é incontroversa a contratação pelos autores dos serviços de transporte intermunicipal. Destaco ainda que restou devidamente comprovada o mal serviço prestado, pois os elementos trazidos aos autos são suficientes para demonstrar o alagamento do ônibus, bem como a situação de extremo desconforto à que os passageiros foram infligidos. Note-se que além das inúmeras fotos juntadas aos autos, o depoimento minucioso da testemunha corrobora com a tese levantada pelos autores. É possível perceber que o fato narrado efetivamente ocorreu. Vale lembrar que é dever do autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito e do réu, os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil. Em tempo, a parte autora demonstrou a ocorrência do fato, contudo, a ré não se desincumbiu de seu ônus de desconstituí-lo. Destaque-se que aquela apenas ventila que os fatos narrados são imprevisíveis e que, naquele momento, não poderiam ser solucionados pelo motorista do ônibus. Ora, o vício do veículo, como rachaduras e problemas no ar condicionado, não é, por óbvio, fato imprevisível, impossível de ser solucionado. Trata-se de procedimento que se encontra totalmente dentro da esfera de previsibilidade do fornecedor, o qual tem o dever sanar e, sobretudo, evitar. Com efeito, devidamente comprovada a existência do fato, passo a analisar a ocorrência dos alegados danos. In casu, restou cristalino que a falha na prestação dos serviços ensejou danos à esfera íntima da parte autora. São evidentes os infortúnios enfrentados por conta da do malfadado alagamento do veículo, posterior ausência de ar condicionado e atraso na chegada em seu destino final, os quais reverberam diretamente no equilíbrio e na sua paz psicológica dos passageiros. Ante o cenário narrado pelos autores e corroborado pelas provas juntadas aos autos é indubitável que houve dano moral, o qual exsurge dos próprios fatos e desborda de qualquer mero aborrecimento ou inadimplemento contratual. O nexo de causalidade também é evidente, pois o liame entre a falha apresentada no ônibus e os percalços enfrentados pelos autores salta aos olhos. Ora, é indubitável que a responsabilidade pelos danos infligidos à autora é exclusiva da requerida, uma vez que tinha o dever de prestar adequadamente o serviço para o qual foi contratada. Há que se lembrar que, à luz do princípio da confiança, ao contratar a prestação de um serviço,o consumidor espera verdadeiramente e confia que este será realizado conforme o fim a que se destina e a qualidade que oferece. A atuação negligente e descompromissada da empresa ré frustrou a expectativa do consumidor e, sobretudo, a confiança no serviço proposto. Assim, considerando que o quantum indenizatório deve ser fixado em um valor suficiente e razoável, a fim de compensar os danos suportados pela parte autora, ao mesmo tempo em que desestimula atos desse jaez, entendo que a requerida deve ser condenada ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um. Vale lembrar que dano é um prejuízo sofrido que atinge a esfera patrimonial ou extrapatrimonial. Sendo assim, quando se trata de dano moral, tem-se que foi vilipendiada a esfera íntima do cidadão, pelo que afetou sua paz espiritual, decoro, honra e ego. É cediço que a extensão dessa dor sofrida não pode ser aferida economicamente, uma vez que caracteres tão abstratos são incapazes de serem, de fato, compensados, de modo que voltem ao seu status quo anterior. Contudo, é poder-dever do Estado-juiz dar uma resposta civil aos danos morais perpetrados, sobretudo no que toca aos direitos do consumidor, vulnerável por natureza. Desse modo, tem-se que o fundamento da indenização por danos morais é satisfativo-punitivo. Ou seja, perfilhando do entendimento do desembargador do TJSP, Rizzatto Nunes, "a paga em pecúnia deverá proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação capaz de amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá também a indenização servir como punição ao ofensor, causando danos, incutindo-lhe um impacto tal, suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado". Assim, é justa a indenização por danos morais que tem o condão de indenizar a vítima pelas intempéries suportadas e, ao mesmo tempo e sobretudo, punir o ofensor de modo a desestimulá-lo a reincidir em novos atos lesivos. Percebe-se que o Poder Judiciário, sob o pálio de não ensejar o enriquecimento sem causa do consumidor, muitas vezes fixa o quantum das indenizações por danos morais em valores módicos, que se tornam inócuos a cumprir a sua função de punição e de prevenção. O que ocorre é o efeito reverso: incentiva o desrespeito generalizado aos direitos do consumidor. Ora, em que pese à existência de um microssistema voltado a defender tais interesses de ordem pública, o que se vê atualmente é um menoscabo generalizado, o qual demonstra que faz parte do cálculo atuarial do fornecedor as inúmeras lides judiciais das quais participa, que, em verdade, procrastinam a efetivação de um direito material que deveria ser de observação imediata. Não é demais lembrar que o Código de Defesa do Consumidor, nascido há exatos 24 anos, é norma de vanguarda, além de seu tempo, juridicamente hábil a tutelar os direitos da atual sociedade de consumo em massa. Contudo, a sua existência, por si só, não basta, é papel fundamental de o Estado fazê-lo ser cumprido, por meio de técnicas hábeis a efetivar os direitos materiais já existentes. É evidente que as empresas assumem a conduta que lhes é economicamente mais vantajosa. Há, neste caso, uma dualidade de danos - individual e genérico, que exige sanção pela má prestação dos serviços de modo a reprimir efetivamente tais condutas. A repressão judicial efetiva às condutas abusivas do fornecedor presta um serviço de extrema valia à sociedade, uma vez que quando o caráter punitivo-satisfativo ganhar robustez, certamente, os serviços prestados pelo fornecedor em geral ganharão, indubitavelmente, mais qualidade. Assim, repita-se, a finalidade da presente condenação não é a de tão somente reparar a dor sofrida pelo autor, em sua individualidade, mas, sobretudo, proteger o consumidor genérico que tem os seus direitos alvejados, malgrado a existência longeva da norma consumerista. Contudo, quanto ao pedido de indenização por danos materiais, destaco que este não restou devidamente comprovado. Vale lembrar que, diferentemente dos danos morais, estes devem estar demonstrados nos autos e devidamente quantificados. Sabe-se que a reparação material é feita na exata medida da supressão patrimonial sofrida. No caso em tela, não há nos autos a demonstração e a quantificação exata dos valores perdidos quando da alegada infiltração das bagagens. Logo, não há que se falar em indenização por danos materias. ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor para condenar a requerida - TRANSBRASILIANA - ENCOMENDAS E CARGAS - ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada autor, a título de indenização por danos morais, valor que deve ser acrescido de juros de mora de 1% ao mês, contados a partir da data da citação e correção monetária pelo INPC, a partir da data desta sentença. Ante a sucumbência recíproca, condeno cada parte ao pagamento de metade das custas processuais, do qual está isenta a parte autora ante a concessão do benefício de gratuidade de justiça. Sem honorários advocatícios, devido a compensação. São Luís, 18 de dezembro de 2015. Registre-se e Intimem-se. Juíza Alice Prazeres Rodrigues 16ª Vara Cível Resp: 135137"